A Justiça de Mato Grosso reconheceu o direito ao registro civil de M. G. F. dos S., 15 anos, que por uma década e meia viveu sem qualquer documentação oficial. O caso foi identificado e conduzido pelo Núcleo da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso em Dom Aquino e Poxoréu, que em junho ajuizou uma ação com pedido de expedição de registro de nascimento tardio na 2ª Vara Cível de Poxoréu. A sentença favorável é de agosto e determinou a emissão da certidão de nascimento.
O defensor público responsável pela ação, Marcelo De Nardi, explica que o registro civil representa a porta de entrada para a cidadania. “Com o registro, o adolescente deixa de ser invisível para o Estado e passa a existir oficialmente como sujeito de direitos, com identidade reconhecida, nome, filiação e data de nascimento em documento público”, explicou.
De Nardi lembra que a ausência de registro civil traz consequências práticas severas para um cidadão. Sem a certidão de nascimento, o adolescente não conseguia matricular-se regularmente em escolas, não tinha acesso a documentos básicos como RG e CPF, nem podia obter atendimento pleno em saúde ou benefícios sociais, por exemplo, cita.
Em termos práticos, M. vivia em situação de invisibilidade, impedido de realizar atos simples da vida cotidiana, como abrir uma conta em banco, prestar concurso ou, futuramente, votar e trabalhar formalmente.
Com a decisão judicial, o adolescente terá acesso a documentos pessoais, poderá retomar os estudos em igualdade com os colegas, participar de provas oficiais e receber certificados válidos. Também poderá emitir o Cartão Nacional de Saúde (SUS), acessar vacinas, tratamentos e programas sociais que exigem documentação, como o Bolsa Família e o Auxílio Brasil.
O caso – A história de M. chegou à Defensoria Pública após a mãe dele, L. F. dos S., procurar ajuda no distrito de Nova Poxoréu. Ela relatou que os documentos originais do filho foram destruídos em um incêndio na residência da família, em São Luís (MA), e que desde então, o adolescente nunca foi registrado.
Mesmo sem documentação oficial, a equipe que atua com De Nardi conseguiu ofícios e cadernetas que evidenciaram que M. frequentou a Escola Hortência Pinho, no Maranhão, até os 10 anos. Para instruir a ação, a Defensoria também apresentou testemunhos de familiares e educadores, além de fotografias do adolescente obtidas com apoio do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas de Poxoréu), comprovando sua existência e identidade.
Além disso, há também um ofício expedido pela Defensoria Pública do Maranhão em 2015 (Ofício nº 146/2015 – DPEMA), encaminhado ao cartório da 4ª Zona de São Luís, requisitando a segunda via ou a busca do registro de nascimento. Esse ofício relata expressamente que a mãe compareceu à maternidade e que, apesar disso, não foi possível obter a certidão porque a família não tinha condições financeiras de arcar com os custos cartorários.
A tramitação do processo durou pouco mais de dois meses. Em 10 de junho, a Justiça reconheceu a hipossuficiência da família e concedeu a gratuidade judiciária. Após a juntada das provas documentais e manifestações do Ministério Público, o magistrado acolheu integralmente o pedido, determinando a expedição do registro tardio.
Para o defensor público a decisão vai além da correção de uma falha documental, ela representa “a restituição da dignidade de um jovem que, por 15 anos, viveu sem reconhecimento oficial de sua identidade”.
O Núcleo da Defensoria Pública de Poxoréu atende no Distrito de Nova Poxoréu, com mutirões, desde o início do ano, após identificar que a comunidade local tem dificuldades de acesso à Comarca. M e sua mãe vivem no Assentamento São Benedito, que faz parte do distrito.