Fazer com que a Justiça Criminal seja democrática e tenha o condão de alcançar a todos, evitando que ela pese de forma punitiva apenas para a população pobre do estado. Esta foi a máxima defendida pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (DPEMT) durante os três dias do “VI Encontro do Sistema Criminal de Justiça do Estado de Mato Grosso”, realizado no Tribunal de Justiça do Estado (TJMT), em Cuiabá, entre 29 a 31 de outubro.
“Quando reunimos em um único espaço todos os órgãos do Sistema de Justiça para debater mecanismos, instrumentos e formas de atuação, temos um ganho significativo, um ganho que, eu não tenho dúvidas, vai chegar efetivamente a quem mais precisa, que é a nossa população, às pessoas que são atendidas pelo Sistema de Justiça aqui no nosso estado. Toda essa cooperação é muito válida, especialmente quando falamos de uma Justiça mais eficiente, e do lado da Defensoria Pública, uma Justiça que alcance a todos e não apenas a população mais pobre”, afirma a defensora pública-geral de Mato Grosso, Luziane Castro, que participou como presidente de mesa da palestra de abertura do evento intitulada “O Sistema de Justiça Criminal no mundo virtual”.
Representada pelo defensor público Maxuel Pereira Dias, a DPEMT também participou do painel de debates “Estatuto da Vítima: consequência política ou necessidade jurídica”. O defensor completou a mesa de discussões ao lado do promotor de justiça do Distrito Federal, Antônio Henrique Graciano Suxberger; o desembargador do TJMT, Marcos Machado; o promotor de justiça de Mato Grosso Kledson Dionysio de Oliveira; e do advogado Matteus Macedo.
O ponto crucial dos debates foi o Projeto de Lei 3890/2020, que tramita no Senado Federal e que visa instituir o Estatuto da Vítima, trazendo definições sobre o que é vítima e “evento vitimário”, bem como direitos e providências dirigidas às vítimas de crimes.
Na sequência, o defensor público Paulo Roberto Marquezine defendeu melhorias nos programas de proteção de pessoas juradas de morte pelas facções criminosas em Mato Grosso, tais como o PPCAAM (Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte) e no Provita (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas), durante sua participação como debatedor na palestra “O Sistema de Justiça diante das organizações criminosas. Como agir?”.

“Temos visto um aumento de procura da Defensoria Pública como porta de entrada nos programas de proteção de pessoas decretadas pelas facções e temos buscado inserir os assistidos nesses programas. Essas inserções apresentam algumas dificuldades em Mato Grosso. Não obstante o Estado tenha evoluído com o Provita e no PPCAAM se observa facilidade de inserção da vítima no programa de proteção em razão da inexistência do requisito da colaboração útil da persecução penal, temos alguns entraves se a colaboração não é considerada útil, de modo que a pessoa não encontra proteção. Essa busca de proteção é necessária nas populações mais vulneráveis, seja pelo local de moradia ou pelos poucos recursos que ela possui para se proteger”, defendeu Paulo Marquezini.
Já o painel “Organizações criminosas e o terrorismo. Há identificação?” trouxe à tona uma das mais recentes discussões acerca do cenário jurídico nacional: a possível identificação entre organizações criminosas e terrorismo. Sob a presidência do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Afrânio Vilela, o debate reuniu especialistas do Ministério Público, da magistratura e Defensoria Pública, representada pelo defensor público e diretor da Escola Superior da Defensoria Pública (Esdepe/MT), Fernando Soubhia.
O defensor fez um alerta sobre os riscos da flexibilização conceitual: “Não podemos espremer o princípio da legalidade para encaixar rótulos que não pertencem à atividade. Equiparar organização criminosa a terrorismo é um risco jurídico e político. São fenômenos distintos, com finalidades e estratégias diferentes”, disse.
O painel evidenciou que, embora haja pontos de interseção entre os dois fenômenos, como o uso de violência e a estrutura hierárquica, a equiparação jurídica entre organizações criminosas e terrorismo ainda é controversa e exige cautela. O debate reforçou a necessidade de políticas públicas estruturadas, legislação eficaz e atuação coordenada entre os órgãos do sistema de justiça.
A palestra de enceramento do Encontro foi protagonizada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Sebastião Alves dos Reis Júnior e comentada pelo conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ulisses Rabaneda dos Santos, tendo como presidente de mesa, a juíza de direito Alethea Assunção Santos. Durante os debates, os participantes falaram sobre a relevância do trabalho da Defensoria Pública na esfera criminal.
“Sou testemunha ocular da qualidade dos trabalhos realizados pelos defensores públicos de todo o Brasil, que levam o cidadão, por muitas vezes, a escolher um defensor e não um advogado particular para representá-lo. A Defensoria não decepciona. Ao olhar sua atuação nas turmas criminais, vemos números impressionantes. Em 2019, a Defensoria foi parte, apenas nas turmas criminais, em mais de 48 mil processos, número que chegou a quase 50 mil em 2023. Se considerar até junho de 2024, há 256 mil processos que a Defensoria participa como parte. Tendo em conta só recursos em habeas corpus, em cinco anos chega a 160 mil a impetração de recursos”, destacou o ministro.
Além de elogiar o trabalho da Defensoria, Sebastião Alves fez questão de reforçar a necessidade de valorizar a instituição que tem o dever institucional de defender a população em situação de vulnerabilidade social.
“O acesso à Justiça é uma garantia constitucional, não se limitando ao cidadão reivindicar o seu direito. É necessário que o Estado assegure o direito, independentemente de qualquer ação do indivíduo. Nesse sentido é importante destacar que no Brasil, em uma demonstração sincera do legislador de garantir o acesso à Justiça que a Defensoria tem status constitucional de ser indispensável à Justiça e com competência para defender de forma judicial e extrajudicial o cidadão de forma integral e gratuita. Mas a Defensoria ainda possui frágil condição orçamentária que reflete na escassez de material humano e estrutural. O Estado precisa reconhecer a importância da Defensoria e dedicar atenção que ela merece, destinando recursos suficientes para que ela possa se estruturar e responder às suas competências naturais”, afirma o ministro.
O evento – Realizado entre os dias 29, 30 e 31 de outubro, em Cuiabá, o “VI Encontro do Sistema de Justiça Criminal do Estado de Mato Grosso – Ideários entre a Lei e a Realidade” contou com palestras e debates que abordam a evolução e os desafios do sistema de justiça no estado.
O evento foi idealizado e coordenado pelo desembargador Marcos Machado (TJMT), com realização da Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT), em parceria com a Escola Superior da Defensoria Pública (Esdep), Escola Superior da Advocacia (ESA/OAB-MT) e Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) – Escola Institucional do Ministério Público Estadual (MPMT).
“O evento foi um sucesso. Foram três dias de debates sobre tópicos de extrema relevância da Justiça Criminal como o direito da vítima, organizações criminosas, juízo de garantias, a equiparação das organizações com grupos terroristas, enfim, tudo que há de mais moderno no Direito Penal e no Sistema de Justiça Criminal foi debatido de forma plural, pois cada painel foi composto representantes do Judiciário, do Ministério Público, da advocacia e da Defensoria Pública, fazendo um formato de construção amplo de conhecimentos”, comemorou o diretor da Esdep/MT, Fernando Soubhia.
