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SEGUNDA ETAPA


Defensorias do Araguaia assegura primeiros documentos a crianças Karajá e reforça direito à identidade

No segundo dia de atendimentos, realizado em Tocantins, ações de registro civil marcaram a inclusão social de crianças indígenas que ainda não existiam formalmente para o Estado

Por Barbara Argôlo
29 de de 2025 - 13:40
Barbara Argôlo Defensorias do Araguaia assegura primeiros documentos a crianças Karajá e reforça direito à identidade


O segundo dia de atendimentos da segunda edição do projeto Defensorias do Araguaia mostrou, na prática, a diferença que o acesso a direitos básicos pode gerar na vida de famílias indígenas. Realizada no dia 25 de agosto, na Escola Estadual Indígena Kumanã, na Aldeia Fontoura (TO), a ação possibilitou a emissão de documentos e o registro tardio de crianças que até então não tinham certidão de nascimento, condição essencial para garantir dignidade e cidadania. 

O mutirão ocorre em caráter itinerante, levando serviços de três Defensorias Públicas – Mato Grosso, Tocantins e Goiás – até comunidades de difícil acesso. No primeiro dia, em Luciara (MT), foram realizados mais de 270 atendimentos, incluindo 102 indígenas assistidos. 

Entre os atendimentos marcantes do segundo dia de atendimentos desta segunda edição, está o caso de Lariwana Karajá, 43 anos, morador da Aldeia Santa Isabel, na Ilha do Bananal. Ele percorreu cerca de duas horas de viagem para registrar a filha de quatro anos, nascida em casa, sem qualquer documento oficial. “A aldeia contou para nós que vocês iam vir aqui e a gente conseguiu o registro dela. É importante porque ela vai estudar, vai consultar no médico. O atendimento foi de boa, eu gostei”, relatou Lariwana. 

Sem telefone ou celular, a família contará com o apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), parceira do projeto, para acompanhar a tramitação judicial. Isso porque, em casos como o da filha de Lariwana, em que já se passaram anos desde o nascimento, a emissão da certidão só é possível por decisão judicial. 

O coordenador do Núcleo Especializado de Direitos Humanos da Defensoria Pública de Goiás (NUDH/DPE-GO), defensor público Tairo Esperança, destacou a importância da articulação interinstitucional. “Conversamos com a Funai na região para que, assim que tivermos a decisão judicial, possamos contatar a família. O registro é o primeiro passo para que a criança tenha acesso a direitos fundamentais, como educação e saúde”, explicou.

Outro caso emblemático foi atendido pelo defensor público Robson Guimarães, coordenador do Núcleo de São Félix do Araguaia (MT). Ele acompanhou a situação da filha de Lumararu Karajá, também da Aldeia Santa Isabel, que conseguiu a certidão de nascimento durante a ação. “Esse caso mostra o quanto a Defensoria é essencial: uma criança nascida este ano, sem nenhum documento, conseguiu a certidão. É através dela que se acessa educação, saúde e benefícios sociais. Para mim, como defensor público, é gratificante poder participar pela primeira vez deste projeto e presenciar um impacto tão transformador”, afirmou Robson.   

Emocionado, o próprio Lumararu reforçou a relevância da iniciativa. “Minha filha nasceu na aldeia e eu não consegui registrar, mas aqui consegui resolver rápido. Eu ‘tô’muito feliz”.   

O cacique tradicional Waxio Karajá, da Aldeia Fontoura, celebrou a realização da ação em sua comunidade. “Estou muito contente. É difícil buscar esse tipo de atendimento longe da cidade. Hoje, a Defensoria veio até nós e facilitou muito. Agradeço por essa oportunidade e espero que o projeto continue nos próximos anos.”   

O defensor público e secretário executivo da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, Clodoaldo Queiroz, ressaltou que o projeto rompe barreiras geográficas e institucionais. “As populações indígenas que vivem na Ilha do Bananal enfrentam isolamento territorial e dificuldades de acesso a direitos básicos. Esse projeto une forças de três Defensorias para levar cidadania a essas comunidades. É um exemplo de que a união pode transformar realidades”.   

Para a defensora pública Letícia Amorim, coordenadora do Núcleo de Questões Étnicas e Combate ao Racismo da Defensoria Pública de Tocantins, a iniciativa serve de inspiração para o Brasil. “As populações originárias vivem em estados diferentes, mas sem a noção de territorialidade que nós, instituições, temos. É preciso que as Defensorias atuem de forma integrada, transpondo fronteiras institucionais e territoriais, para ofertar um serviço de qualidade”. 

A abertura oficial na Aldeia Fontoura reuniu autoridades e parceiros institucionais, entre eles o defensor público-geral do Tocantins, Pedro Alexandre Conceição Aires Gonçalves, que reforçou o caráter transformador da iniciativa. “Estar aqui hoje é cumprir nossa missão constitucional. Esse projeto mostra que juntos podemos levar dignidade e cidadania a quem mais precisa”.  

O projeto segue nesta sexta-feira (29), quando os atendimentos serão concluídos nas aldeias Bdè-Buré e Buridina, em Aruanã (GO).