Recomeço. Foi este sentimento que marcou o dia de muitos que buscaram os serviços da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (DPEMT) durante o Mutirão Pop Rua Jud/MT, realizado nesta quinta-feira (18), em Cuiabá. Buscando uma nova vida, pessoas como Iscainelly Lucio Miranda da Silva, conseguiram ter acesso a direitos básicos como emissão de segunda vida de documentos, retirada da tornozeleira eletrônica e a tão sonhada retificação do registro civil com o nome social.
Iscainelly tem 38 anos e há oito vive em situação de rua. Por ser uma mulher trans, ela sonhava em realizar a mudança do nome de nascimento para o nome social. Durante o mutirão ela conseguiu a alteração.
“O primeiro passo eu já dei, que foi chegar até aqui, saí de onde eu estava e vim até o mutirão. O segundo passo foi eu concluir todo esse trajeto para ter uma mudança de vida. Ter o nome social no meu RG significa muito pra mim, ainda mais porque agora eu tenho a liberdade de poder expressar o que sou realmente, de poder chegar em qualquer lugar e apresentar meu RG com muita gratidão e satisfação e dizer que eu sou Iscainelly Lucio Miranda da Silva”.
A retificação do nome não foi a única conquista de Iscainelly. Em agosto deste ano ela buscou o atendimento da DPEMT durante uma edição especial do Pop Rua que aconteceu na Praça Alencastro, na Capital. Na ocasião, ela informou ao defensor público Maicom Alan Fraga que os seus pertences haviam sido furtados durante a noite. Entre os objetos, os bandidos acabaram levando sua tornozeleira eletrônica. O defensor ajudou Iscainelly a registrar um boletim de ocorrência e também fez um pedido judicial requerendo a liberdade dela.
“Meu sentimento foi de muita alegria e gratidão, porque a gente vem sabendo que se a gente não tiver ajuda do Poder Judiciário e Defensoria, é difícil conseguir os benefícios. É muito difícil a gente chegar a esses lugares, mas agora, com vocês nos vendo como pessoas visíveis, a gente pode pedir ajuda. Naquele primeiro momento eu desacreditei, eu pensei: ‘vai ser impossível tirar a tornozeleira’, porque uma pessoa me falou que ia levar uns sete meses para retirar, mas agora, quando cheguei aqui, eu vi que realmente a coisa funciona e que a gente não deve desacreditar”, comemora ela.
“Hoje a Iscainelly voltou aqui na mutirão e nossa equipe estava preparada para atendê-la. Esse mutirão é importante porque une as instituições. Temos aqui o Ministério Público, os magistrados e a Defensoria Pública todos prontos para ajudar”, afirma Maicom Alan Fraga.
Quem também comemorou a retirada da tornozeleira foi Maria José Suárez Pereira, mulher paraense que mora em Cuiabá desde 2011. Ela conta que está em situação de rua desde 2015. Naquela época, devido ao vício em álcool e entorpecentes, ela tentou realizar um furto, mas foi presa.
Maria cumpriu parte de sua pena no Centro de Detenção de Cuiabá, todavia, quando saiu, ela não foi informada que deveria comparecer mensalmente no Fórum de Cuiabá. Como ficou anos sem se apresentar perante a justiça, ela foi presa novamente e teve que usar a tornozeleira eletrônica.
“Eu tenho medo de ser presa de novo e hoje eu vim aqui informar que minha tornozeleira está sem bateria. Mas quando eu cheguei aqui eu fiquei surpresa em saber que existe a possibilidade de retirar a tornozeleira. Eu fiquei muito feliz e emocionada”, comemorou Maria no momento em que sua tornozeleira foi retirada.
“Essas pessoas que buscam o mutirão têm a Justiça, o Poder Judiciário como algo ‘intocável’, algo que está acima da vida deles. Nós temos que mostrar que não é nada disso, nós somos pessoas iguais, que fazemos nosso trabalho pelo Estado. Nós temos que aproximar o Poder Judiciário dessas pessoas, saindo das construções dos fóruns para vir aqui na rua. Hoje aqui podemos ver várias situações emocionantes de pessoas que tiveram um equívoco lá atrás, mas estão recuperadas. Nós queremos que essa pessoa entenda que ela faz parte desse universo, que ela possa trabalhar, possa ter sua vida decente, honesta e sua dignidade preservada”, afirma o juiz Geraldo Fidélis.

O trabalho em rede - Para o primeiro subdefensor público-geral, Rogério Borges de Freitas, o Mutirão Pop Rua Jud/MT é a prova de que a união das instituições de justiça faz a diferença na vida das pessoas em situação de rua.
“Atualmente temos cadastrados cerca de 1.989 pessoas em situação de rua nas cidades de Cuiabá e Várzea Grande. São pessoas que estão em conflito com a lei, que por alguma razão, a família já não aceita mais no seu seio familiar, onde há uma desestrutura, um desarranjo familiar, talvez ligado ao uso de substâncias entorpecentes e bebidas alcoólicas. Esse trabalho do mutirão traz voz para essas pessoas e coloca luzes sobre um problema social. A Defensoria Pública é uma instituição que tem por objetivo proteger os direitos fundamentais, sobretudo os Direitos Humanos. E esses direitos, por mais que a Defensoria peticione, ela precisa do apoio de outros órgãos como por exemplo, o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Politec. Então, é um conjunto de ações que faz com que os direitos dessas pessoas que são vulnerabilizadas, que estão numa situação de vulnerabilidade, sejam protegidos e garantidos”, afirma o defensor.
Além da DPEMT, o Mutirão Pop Rua Jud/MT é realizado juntamente com o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, a Justiça Federal, o Conselho Nacional de Justiça e diversos outros parceiros públicos e privados. Ele faz parte de uma estratégia prevista na Política Nacional de Atenção às Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades, instituída pela Resolução 425/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o objetivo de garantir o acesso à justiça e aos direitos fundamentais às pessoas mais vulnerabilizadas social e economicamente.
Durante o mutirão são prestados serviços como atendimento jurídico na esfera estadual e federal; emissão de segunda via de documento; consulta a benefícios sociais; cadastro único no cartão do SUS; CAD Único; alistamento e regularização militar; atendimento de saúde, avaliação odontológica; atendimento psicossocial; dentre outros.