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INCLUSÃO E JUSTIÇA SOCIAL


Com apoio da DPEMT, mulheres trans retificam nome e gênero e celebram dignidade no Mês do Orgulho

No mês dedicado à visibilidade LGBTQIAPN+, mulheres trans em Mato Grosso conquistam o direito de serem oficialmente reconhecidas como são

Por Paulo Henrique Fanaia
27 de de 2025 - 17:00
Andressa Vaz Com apoio da DPEMT, mulheres trans retificam nome e gênero e celebram dignidade no Mês do Orgulho


Orgulho, representatividade, reconhecimento, aceitação e, acima de tudo, respeito. Essas são algumas palavras que definem o sentimento de Naelly Peixoto da Silva, uma cuiabana de 36 anos que neste mês de junho celebra o sonho de finalmente conseguir retificar seu nome e gênero na certidão de nascimento com a ajuda da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (DPEMT).

Naelly é uma mulher transexual que lutou por muitos anos para conseguir ser reconhecida na sociedade pelo nome e gênero que a define. Ela conta que sua caminhada até a retificação da certidão de nascimento foi árdua, porém, com a ajuda de outras amigas transexuais, ela conheceu o trabalho da DPEMT e buscou a ajuda do Núcleo de Direitos Difusos e Coletivos de Cuiabá

“O trabalho da Defensoria Pública veio por meio das minhas irmãs transexuais que me deram esse empurrãozinho para que eu pudesse mudar de nome, ser eu mesma para que as pessoas me respeitem na rua me chamando pelo meu nome, Naelly. Eu já tive muitos constrangimentos por causa do meu ‘nome morto’, mas agora estou mais tranquila sendo eu mesma com o nome que escolhi para mim!”, comemora.

Assim como Naelly, muitas pessoas transexuais sofrem com a discriminação por não terem retificado o nome e gênero na certidão de nascimento. Imagine a situação: a pessoa vai até um órgão público, porém, no momento do cadastro ela é obrigada a apresentar seu documento de origem, no qual ainda consta seu nome e gênero de nascimento.

É por esta razão que toda pessoa maior de 18 anos e habilitada à prática dos atos da vida civil pode solicitar a retificação de nome e gênero na certidão de nascimento.

Com o advento do Provimento nº 73/2018, que foi alterado pelo Provimento nº 149/2023, do Conselho Nacional de Justiça, foi retirada a necessidade de judicialização, bastando que a pessoa transgênero vá ao cartório de registro civil extrajudicial e faça a requisição. Todavia, nada impede que a pessoa realize o pedido por meio de ação judicial.

Para que ela possa começar o processo no cartório, basta levar consigo a certidão de nascimento atualizada, RG, CPF, título de eleitor, comprovante de residência recente e demais certidões obrigatórias, tais como: certidão do distribuidor cível da justiça estadual e federal; certidão do distribuidor criminal, justiça eleitoral, justiça do trabalho, justiça militar, e afins.

A pessoa interessada poderá alterar o prenome, incluindo os agnomes (ex: Filho, Neto, Júnior), o gênero, ou ambos. Sobrenomes não podem ser alterados. Crianças e adolescentes devem procurar o auxílio da Defensoria Pública ou de um advogado particular para ajuizamento de ação judicial

Deve-se ressaltar que não é necessário apresentar laudo médico ou psicológico, comprovar realização de cirurgia de redesignação sexual ou tratamento hormonal e comprovar que o nome não está inscrito no Serviço de Proteção ao Crédito do Serasa.

A retificação civil do nome e gênero é sigilosa e não consta em nenhum documento público. Isso significa que não haverá qualquer menção no documento de que a pessoa realizou a retificação. Tudo isso tem como objetivo resguardar a dignidade da pessoa humana e o direito de realizar a mudança sem qualquer tipo de preconceito.

Após realizar a retificação na certidão de nascimento, a pessoa finalmente pode dar entrada para mudar outros documentos, tais como o RG, CPF e Título de Eleitor, passando assim a ser reconhecida oficialmente como a pessoa que ela é.

Para ajudar todos que desejam realizar a retificação, o Núcleo de Direitos Difusos e Coletivos da DPEMT está de portas abertas para acolher todos os assistidos que não possuem familiaridade com o procedimento. Tal como no caso de Naelly, os servidores estão prontos para ajudar quem ainda tem dúvidas sobre como proceder com a retificação.

“O atendimento aqui na Defensoria foi maravilhoso, os servidores nos acolhem numa perfeição, levando ensinamento, explicando tudo certinho, mostrando passo a passo o que devemos fazer para tirar as certidões, os locais onde temos que ir. Toda a minha caminhada foi um pouco dolorida porque tive processos de idas e vindas, mas quando cheguei na Defensoria foi tudo muito rápido”, comenta Naelly.

Orgulho no mês do Orgulho - Neste mês de junho é celebrado o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+, com o objetivo de dar visibilidade à luta pelos direitos da comunidade. O mês foi escolhido como uma forma de relembrar a “Rebelião de Stonewall”, ocorrida no ano de 1970 em Nova York (EUA), quando centenas de pessoas se reuniram para se manifestar contra os atos de violência realizados pela polícia contra membros da comunidade gay que frequentavam o bar Stonewall Inn, no dia 28 de junho.

A partir destas manifestações, as comunidades LGBTQIAPN+ em todo o mundo passaram a se unir para lutar pelos seus direitos.

Além de Naelly, quem também teve a oportunidade de retificar seu nome e gênero na certidão de nascimento durante o Mês do Orgulho foi Andrya Kiga Pradago, mulher transexual indígena da etnia Boe Bororo.

Moradora da Aldeia Meruri, em General Carneiro (450 km de Cuiabá), Andrya conseguiu realizar a retificação por meio do mutirão “Defensoria Até Você – Edição Indígena” que ocorreu entre os dias 15, 16 e 17 deste mês na Aldeia Meruri. Em apenas algumas horas, ela realizou todo o processo com a ajuda da DPEMT e do Cartório de Registros de General Carneiro. Após esse trâmite, ela foi atendida pela equipe da Politec e da Receita Federal para produzir seu novo RG e também retificar o nome e o gênero no seu CPF.

“O meu povo conseguiu me aceitar muito bem. (...) A primeira pessoa que falei [quando me assumi transexual] foi a anciã muito importante na aldeia, que é minha avó. Desde então ela passou a me ensinar muitas coisas de mulher. Por nossa cultura ser matrilinear, vir das mulheres pra ela é uma honra me ter como neta e como mais uma mulher para seguir a raiz do meu clã. (...) Estou muito feliz! Estou tentando não chorar porque, como eu disse, esse momento para nós é muito espiritual. Além do mais, é um passo de conquista para nós mulheres trans, ainda mais nós, mulheres transexuais indígenas. Nós temos que batalhar muito e ter esse momento que eu consegui por meio dessa equipe maravilhosa, eu tô muito feliz. Agora eu sou legalmente Andrya Kiga Pradago”, comemora.

Para a coordenadora do Núcleo de Direitos Difusos e Coletivos da DPEMT em Cuiabá, a defensora pública Silvia Maria Ferreira, atuar ao lado das pessoas trans ajudando-as a realizar a retificação do nome e gênero é muito mais do que juntar documentos para um processo administrativo, mas sim dar visibilidade para a luta de uma comunidade que até hoje sofre preconceitos e violências.

“Para mim é uma oportunidade de contribuir com a visibilidade, com o processo de transformação que não começa agora com a Defensoria. É um processo que vem de longa data, portanto, atuar no Núcleo é como se fosse um coroamento de um processo, é a finalização de um processo que vai implicar numa maior aceitabilidade da pessoa, porque a forma como ela se vê já está constituída, mas o nome dela, como ela vai se mostrar, como ela vai se identificar, vai oportunizar uma vida digna na sociedade”, afirma a defensora.

É por isso que Naelly resolveu usar sua conquista como exemplo para mobilizar outras pessoas a trans a buscarem a tão sonhada retificação: “Sendo uma pessoa LGBT, travesti e cuiabana morando no estado que mais mata travestis é gratificante e motivo de orgulho e representatividade! Por isso convido todas as pessoas LGBTQIAPN+ que querem fazer sua retificação, quer ser você, venha para a Defensoria Pública!”.