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DEFENSORIA ATÉ VOCÊ


‘Quem sou eu?’; mutirão da DPEMT ajuda a contar histórias que não podem ser esquecidas

Muito além de uma aposentadoria, Manoel Paulo Cardoso pede apenas uma coisa: “Eu quero ser uma pessoa”.

Por Paulo Henrique Fanaia
17 de de 2025 - 16:06
Janaiara Soares ‘Quem sou eu?’; mutirão da DPEMT ajuda a contar histórias que não podem ser esquecidas


As pessoas que buscam a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (DPEMT) através do mutirão Defensoria Até Você – Edição Indígena, que acontece na Terra Indígena Meruri, em General Carneiro (450 km de Cuiabá), chegam no local de atendimento cheias de histórias para contar, todavia, um deles buscou a DPEMT pedindo ajuda para contar a sua própria história. Trabalhador rural em um assentamento próximo do município de General Carneiro, Manoel Paulo Cardoso buscou a Defensoria nesta segunda-feira (16) com uma pergunta: “quem sou eu?”.

Mineiro de nascimento, Manoel é um homem idoso que conta que nunca teve uma certidão de nascimento, portanto, ele também não possui RG, CPF, Título de Eleitor ou qualquer outro documento oficial que comprove sua cidadania. Para piorar, ele mal lembra o ano em que nasceu.

“Eu sou de Passos de Minas (MG). Quando eu era pequeno, meu pai era um homem muito ignorante. Minha mãe não aguentou a situação e fugiu de casa comigo e meus seis irmãos. Meu pai nunca mais nos procurou. Moramos no estado de Goiás e depois de um bom tempo vim parar aqui em General Carneiro. Eu não sei ler nem escrever, mas a vida me ensinou a ter amigos que sempre me ajudaram, que são a minha família”, conta Manoel.

Questionado pela defensora pública Cleide Nascimento, Manoel diz que a sua única lembrança é de que fugiu com a mãe e os irmãos quando ele tinha aproximadamente 10 anos de idade. Ele conta que depois de uns anos sua mãe o entregou para outra família e lá ele trabalhou em serviços braçais em troca de comida, afinal, como não tinha documento nenhum, ninguém se importou em assinar carteira de trabalho e lhe pagar um salário mínimo.

“Eu não lembro nadinha, sai muito pequeno de casa, minha família nunca me deu ‘ensinação’, vivi sempre assim. Viver sem documentos é difícil, eu não sou ninguém. Não consigo pegar um ônibus pra ir para outra cidade, então eu sempre viajo de carona. Pra ir no médico precisa de documento, escola também, até pra fazer uma dentadura e se aposentar. Eu não saio pra lugar nenhum. Vivo no meu assentamento trabalhando com ‘tiração’ de leite, carpindo lote e tudo mais”, relata o idoso.

Cleide Nascimento explica que casos como o de Manoel infelizmente são comuns Brasil afora e são tratados como subnotificações. De acordo com ela, o primeiro passo a ser dado é notificar o cartório de registros civis pedindo que se realize uma busca geral para saber se ele possui algum documento.

Caso não seja encontrado qualquer documento, começa a parte jurídica do processo. Por meio de testemunhas, histórias oralizadas, fotos e pequenos registros, é possível chegar a uma data próxima do ano real de nascimento do senhor Manoel.

“Hoje o senhor Manoel trouxe uma testemunha que pode falar mais ou menos a idade dele. Essa pessoa afirma que há uns 20 anos, durante uma conversa, o senhor Manoel disse que teria nascido no ano de 1957, portanto, partimos daí. Também é possível que o magistrado da causa determine que se faça um exame médico onde pode ser possível atestar a data aproximada ou que coincida com o ele afirmou para o amigo. Hoje aqui no mutirão estamos dando os primeiros passos para esse registro, mas o senhor Manoel vai continuar sendo assistido pelo Centro de Referência de Assistência Social (Cras) da região e pela Defensoria Pública de Barra do Garças, que é a mais próxima da cidade onde ele mora”, relata Cleide Nascimento.

A defensora explica que, em termos legais e administrativos, o senhor Manoel é uma pessoa que não existe para o Estado brasileiro. Sem registro e documentos oficiais, ele é impedido de exercer empregos formais, o direito de voto e até mesmo usufruir de serviços públicos básicos.

“Não ser cidadão neste país é como se efetivamente ele não existisse. Para o Poder Público ele nunca foi contabilizado no sistema, nem para benefício social, nem para escola ou sistema de saúde. Por isso é de extrema relevância e importância a presença da Defensoria Pública em todos os espaços de Mato Grosso e do Brasil. Existem vários outros ‘Manoéis’, outras ‘Marias’, outras ‘Anas’ que não têm documentação. E somente com a Defensoria chegando em cada espaço desse país é que nós vamos conseguir erradicar efetivamente a subnotificação de pessoas”, diz Cleide Nascimento.

Durante o atendimento, Manoel Paulo Cardoso pede apenas uma coisa: “Eu quero me aposentar, mas, principalmente, eu quero ser uma pessoa”.

O mutirão - O Defensoria Até Você – Edição Indígena começou no dia 15 e termina nesta terça-feira (17), na Terra Indígena Meruri, na região de General Carneiro. O mutirão conta com a parceira da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc), Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TREMT), Receita Federal, Previdência Social, Politec, Distrito Sanitário de Saúde Indígena, Exército Brasileiro, Polícia Federal, Prefeitura Municipal de General Carneiro e Cartório de Registro Civil de General Carneiro.

São prestados serviços jurídicos diversos, como emissão de RG e CPF; emissão de segunda via de certidões gerais; atendimentos na Receita Federal; serviço eleitoral; atendimento CADÚnico, com regularização cadastral para programas sociais; atendimentos de saúde básica; atendimento na junta militar e recreação infantil.